domingo, 11 de janeiro de 2015

ADVENTISMO: Um olhar histórico

Nesta postagem, não pretendo redigir a redundância. Várias obras já contam, de forma convencional, como a Igreja Adventista surgiu e cresceu, desde seu início até os atuais dias. Mas como “‘as Ciências da Religião’ têm que ser preeminentemente históricas” (ANA, 1998, p. 60), partindo desta conhecida história, neste texto eu sigo numa análise do paralelismo entre as linhas de pensamento adventista e do mundo que cerca os adventistas. E sob o prisma historiográfico, “o pensamento religioso não evolui sozinho no espaço simbólico, ele interage com outras formas de pensamento e outras esferas de organização social, política e cultural” (DELGADO; FERREIRA, 2003, p. 102).
Um olhar atento aos pressupostos das escolas de pensamentos, em comparação ao que antecedeu à época em que o adventismo nasceu, não pode deixar se desperceber que “a ortodoxia protestante dos séculos XVII e XVIII sustentava como seu ponto central a autoridade da Bíblia” (JARDILINO, 1994, p. 25). Mas isso acompanhava a cosmovisão da época, pois

o século XVIII, no entanto, assim como o XIX, mostrou uma contínua acomodação do protestantismo à moral burguesa secularizada e iluminista, constituindo sua disciplina em sancionadora dessa moral. Assim, a conversão nada mais era do que um processo de remodelação dos indivíduos ao novo tipo de sociedade necessária à ideologia do progresso (MENDONÇA, 2008, p. 56).

O “retorno de muitas pessoas ao cristianismo durante as duas primeiras décadas do século dezenove” foi o “Segundo Grande Despertamento”. Miller estava entre os influenciados por este movimento. “À semelhança de muitos de sua geração, sentiu-se impelido a estudar a Bíblia” (KNIGHT, 2000, p. 10). “No começo do século dezenove, uma filosofia religiosa de restauração do cristianismo para a sua condição neo-testamentária primitiva começou a emergir nos Estados Unidos” (RODRIGUES, 2012, p. 277). Era o restauracionismo.
Craig Van Gelder traça as mudanças do pensamento sócioreligioso ao longo dos últimos séculos (1992, p. 69-83). Ele coloca que até no Iluminismo a cosmovisão cristã ainda estava focada em Deus e na revelação das Escrituras em harmonia com a ordem racional, o progresso histórico e o gerenciamento da vida (p. 69 e 81). Mesmo na parte inicial da Modernidade, verdades empíricas podiam ser mantidas através dos fatos observáveis e isso incluía os campos dos valores humanos (p. 78). Então Gelder argumenta que a modernidade trouxe a secularização (mudanças na ordem social, surgimento de tecnologias, migrações, novas formas de produção, etc.) que se tornou em secularismo (mudanças nos valores, chegada do individualismo, antropocentrismo e desestruturação da família) e modernismo. “O individualismo foi, sem dúvida, um dos elementos do protestantismo que mais contribuíram para a necessária mudança social ao progresso e ao mundo moderno” (MENDONÇA, 2008, p. 57).
As igrejas históricas foram participantes do processo de “racionalização e intelectualização” ocorrido no Ocidente e citado por Max Weber (1982, p. 182), “ao forjar uma postura racionalizante de vida, isto como um crescente processo de secularização” (PROENÇA, 2011, p. 251). E aqui, “entenda-se como históricas as igrejas que incorporam em suas doutrinas e ensinos os postulados fundamentais da Reforma Protestante ocorrida na Europa no século XVII, mesmo que sua origem tenha se dado muitos anos depois” (OLIVEIRA, 2004, p. 51), podendo então, para os termos deste estudo, enquadrar a Igreja Adventista do Sétimo Dia como uma igreja protestante.
Até por volta do final do século XIX e início do século XX, o conhecimento humano havia crescido em grande medida na área que hoje conhecemos como científica (UEHARA, 2008). As grandes descobertas, acompanhadas das possibilidades acadêmicas cada vez mais avançadas, deram ao homem a ideia de sentir-se seguro em seus conceitos desde que estes pudessem ser provados empiricamente (BERNARDES JUNIOR, et al., 2008). Como dizia Einstein: “Temos de procurar palavras antes de podermos exprimir ideias” (PAIS, 1995, p. 249).
A área de conhecimento chamada Ciência ajudou a humanidade nessa cristalização conceitual graças às grandes maravilhas das descobertas científicas. Notando o que hoje se define como Ciência, como sendo o “corpo de conhecimentos sistematizados adquiridos via observação, identificação, pesquisa e explicação de determinadas categorias de fenômenos e fatos, e formulados metódica e racionalmente” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 463), não é difícil entender então que, no afã desta novidade, o pensamento, para ser válido, era então, construído de forma “científica”, na possibilidade de ser provado. “A modernidade ocidental caracterizou-se, basicamente, pelo processo de racionalização crescente, no qual os critérios do pensamento científico passam a dominar todas as esferas humanas” (WANDERLEY, 1998, p. 29).
Nessa mesma época, o adventismo estava decolando em seus termos missionários globais (NUNES, 1994; MAXWELL, 1982). A evangelização tinha seus desafios, mas os adventistas tinham uma vantagem: a capacidade de provar aquilo que defendiam, só que de um modo diferente, é claro. “Neste espírito de súplica e piedosa investigação das Escrituras, emergiu triunfante o movimento adventista” (OLIVEIRA, 1988, p. 35). A forte ênfase na metodologia de dar provas bíblicas das doutrinas que defendia (ver Isaías 8:20) deu forças dogmáticas ao adventismo. Mas, alguém que participara dos idos pioneiros desta igreja já tinha previsto que “novos métodos e novos planos resultarão de novas circunstâncias. Novos pensamentos virão com os novos obreiros que se dedicarem ao trabalho” (WHITE, 2007, p. 216; ver também 1Coríntios 9:19-22).
E, realmente, ao observar a história da Igreja Adventista, é possível perceber que essa força de provar a “verdade” (João 14:6), como um grande diferencial oferecido aos seus prosélitos, durou de maneira mais destacada até as décadas de 1970 e 1980, quando então o mundo já estaria tomando força em outra direção de pensamento (SANTOS, 2011, p. 631-666). Ou seja, embora os adventistas sejam oriundos do restauracionismo (KNIGHT, 2005, p. 30; RODRIGUES, 2012, p. 265-287), em alguns aspectos, a IASD já se alinhou à forma puritana e abandonou sua herança reformadora restauracionista mais radical (SEPULVEDA, [s.d.] a,b), na saudável busca pela contextualização da transmissão de sua mensagem de valores eternos, inovando os métodos sem perder os valores.

Deus Seja Louvado!

Feliz 2015!

Pr. Valdeci Jr.

Leia também: MÚSICA ADVENTISTA

ANA, Júlio de Santa. Estudos de religiã o: conflito das interpretações. In: SOUZA, Beatriz Muniz et. al (Org.). Psicologia da religião no Brasil. São Paulo, SP: PUC/UMESP, 1998.

BERNARDES JUNIOR, Assis Barreto. et al. Cientificismo e cientologia. 2008 Disponível em: <http://www.lia.ufc.br/~rudini/ufla/ufla/2008i/com161.trab.cientif.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2011.

DELGADO, Lucila de Almeida Neves: FERREIRA, Jorge (Org.). O Brasil republicano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, v.  4.

GELDER, Craig Van. Secularization and the city. In: GREENWAY, Roger S. (Ed.).  Discipling the city: a comprehensive approach to urban misión. 2. ed., Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1992.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1ª ed. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2009.

JARDILINO, Jose Rubens Lima. As religiões do espírito: visão histórico-teológica do pentecostalismo na década de 30. São Paulo: Centro Ecumênico de Publicações e Estudos, 1994.

KNIGHT, George R. Uma igreja mundial: breve história dos adventistas do sétimo dia. Tradução de José Barbosa da Silva. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2000.

KNIGHT, George R. Em busca de identidade. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2005.

MAXWELL, Mervyn. História do adventismo. Santo André: Casa Publicadora Brasileira, 1982.

MENDONÇA, Antonio Gouvêa. Protestantes, pentecostais & ecumênicos. 2ª ed. São Bernardo do Campo, SP: Universidade Metodista de São Paulo, 2008.

NUNES, Luiz. História do adventismo. Cachoeira, BA: Seminário Adventista Latino Americano de Teologia, 1994.

OLIVEIRA, Enoch de. A mão de Deus ao leme. 2ª ed. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1988.

OLIVEIRA, Marco Davi de. A religião mais negra do Brasil. São Paulo: Mundo Cristão, 2004.

PAIS, Abraham. A ciência e a vida de Albert Einstein. Rio de Janeiro, RJ: Editora Nova Fronteira, 1995.

PROENÇA, Wander de Lara. Sindicato de mágicos: uma história cultural da Igreja Universal do Reino de Deus (1977-2007). São Paulo: Editora Unesp, 2011.

RODRIGUES, Gerson. The United States in the first half of the nineteenth century. In:  KUHN, Wagner (Ed.). The book and the student: theological education as mission. Michigan: Department of World Mission, 2012.

SANTOS, Zinaldo A. Missão e ministério no mundo pós-moderno. In: SOUZA, Elias Brasil de (Ed.). Teologia e metodologia da missão: palestras apresentadas no VIII simpósio bíblico-teológico sul-americano. Cachoeira: CEPLIB, 2011.

SEPULVEDA, Ciro. Reinventing adventist history:  how adventist historians transformed adventist heritage so that it would fit neatly into the National Mythology. [s.d.]a Disponível em: http://www.oakwood.edu/historyportal/Ejah/Reinventing%20SDA%20history.htm. Acesso em: 24 abr. 2014.

______. The tent and the cathedral: white-collar adventists and their search for respectability. [s.d.]b Disponível em: . Acesso em: 24 abr. 2014.

UEHARA, Mituo. História e filosofia da ciência. São José Dos Campos, SP: Univap Virtual, 2009.

______. Ciência, filosofia e religião diante da questão da origem do Universo. Ago. 2006. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2011. 

WANDERLEY, Luiz Eduardo W. Estudos da religião no Brasil: buscando o equilíbrio entre adaptação e criatividade. In: SOUZA, Beatriz Muniz et. al (Org.). Psicologia da religião no Brasil. São Paulo, SP: PUC/UMESP, 1998.

WEBER, Max. Ensaios de sociologia. 5ª ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 1982.

WHITE, Ellen G. Conselhos sobre educação. 3ª ed. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2007.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Quer dizer o que pensa sobre o assunto?
Então, escreva aí. Fique à vontade.
Mas lembre-se: não aceitamos comentários anônimos.
Agora, se quiser fazer uma pergunta, escreva para nasaladopastor@hotmail.com