Nesta postagem, não
pretendo redigir a redundância. Várias obras já contam, de forma convencional,
como a Igreja Adventista surgiu e cresceu, desde seu início até os atuais dias.
Mas como “‘as Ciências da Religião’ têm que ser preeminentemente históricas”
(ANA, 1998, p. 60), partindo desta conhecida história, neste texto eu sigo numa
análise do paralelismo entre as linhas de pensamento adventista e do mundo que
cerca os adventistas. E sob o prisma historiográfico, “o pensamento religioso
não evolui sozinho no espaço simbólico, ele interage com outras formas de
pensamento e outras esferas de organização social, política e cultural”
(DELGADO; FERREIRA, 2003, p. 102).
Um olhar atento aos
pressupostos das escolas de pensamentos, em comparação ao que antecedeu à época
em que o adventismo nasceu, não pode deixar se desperceber que “a ortodoxia
protestante dos séculos XVII e XVIII sustentava como seu ponto central a
autoridade da Bíblia” (JARDILINO, 1994, p. 25). Mas isso acompanhava a
cosmovisão da época, pois
o
século XVIII, no entanto, assim como o XIX, mostrou uma contínua acomodação do
protestantismo à moral burguesa secularizada e iluminista, constituindo sua
disciplina em sancionadora dessa moral. Assim, a conversão nada mais era do que
um processo de remodelação dos indivíduos ao novo tipo de sociedade necessária
à ideologia do progresso (MENDONÇA, 2008, p. 56).
O “retorno de muitas
pessoas ao cristianismo durante as duas primeiras décadas do século dezenove”
foi o “Segundo Grande Despertamento”. Miller estava entre os influenciados por
este movimento. “À semelhança de muitos de sua geração, sentiu-se impelido a
estudar a Bíblia” (KNIGHT, 2000, p. 10). “No começo do século dezenove, uma
filosofia religiosa de restauração do cristianismo para a sua condição
neo-testamentária primitiva começou a emergir nos Estados Unidos” (RODRIGUES,
2012, p. 277). Era o restauracionismo.
Craig Van Gelder
traça as mudanças do pensamento sócioreligioso ao longo dos últimos séculos
(1992, p. 69-83). Ele coloca que até no Iluminismo a cosmovisão cristã ainda
estava focada em Deus e na revelação das Escrituras em harmonia com a ordem racional,
o progresso histórico e o gerenciamento da vida (p. 69 e 81). Mesmo na parte
inicial da Modernidade, verdades empíricas podiam ser mantidas através dos
fatos observáveis e isso incluía os campos dos valores humanos (p. 78). Então
Gelder argumenta que a modernidade trouxe a secularização (mudanças na ordem
social, surgimento de tecnologias, migrações, novas formas de produção, etc.)
que se tornou em secularismo (mudanças nos valores, chegada do individualismo,
antropocentrismo e desestruturação da família) e modernismo. “O individualismo
foi, sem dúvida, um dos elementos do protestantismo que mais contribuíram para
a necessária mudança social ao progresso e ao mundo moderno” (MENDONÇA, 2008,
p. 57).
As igrejas históricas
foram participantes do processo de “racionalização e intelectualização”
ocorrido no Ocidente e citado por Max Weber (1982, p. 182), “ao forjar uma
postura racionalizante de vida, isto como um crescente processo de
secularização” (PROENÇA, 2011, p. 251). E aqui, “entenda-se como históricas as
igrejas que incorporam em suas doutrinas e ensinos os postulados fundamentais
da Reforma Protestante ocorrida na Europa no século XVII, mesmo que sua origem
tenha se dado muitos anos depois” (OLIVEIRA, 2004, p. 51), podendo então, para
os termos deste estudo, enquadrar a Igreja Adventista do Sétimo Dia como uma
igreja protestante.
Até por volta do
final do século XIX e início do século XX, o conhecimento humano havia crescido
em grande medida na área que hoje conhecemos como científica (UEHARA, 2008). As
grandes descobertas, acompanhadas das possibilidades acadêmicas cada vez mais
avançadas, deram ao homem a ideia de sentir-se seguro em seus conceitos desde
que estes pudessem ser provados empiricamente (BERNARDES JUNIOR, et al., 2008).
Como dizia Einstein: “Temos de procurar palavras antes de podermos exprimir
ideias” (PAIS, 1995, p. 249).
A área de
conhecimento chamada Ciência ajudou a humanidade nessa cristalização conceitual
graças às grandes maravilhas das descobertas científicas. Notando o que hoje se
define como Ciência, como sendo o “corpo de conhecimentos sistematizados
adquiridos via observação, identificação, pesquisa e explicação de determinadas
categorias de fenômenos e fatos, e formulados metódica e racionalmente”
(HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 463), não é difícil entender então que, no afã desta
novidade, o pensamento, para ser válido, era então, construído de forma
“científica”, na possibilidade de ser provado. “A modernidade ocidental
caracterizou-se, basicamente, pelo processo de racionalização crescente, no
qual os critérios do pensamento científico passam a dominar todas as esferas
humanas” (WANDERLEY, 1998, p. 29).
Nessa
mesma época, o adventismo estava decolando em seus termos missionários globais
(NUNES, 1994; MAXWELL, 1982). A evangelização tinha seus desafios, mas os
adventistas tinham uma vantagem: a capacidade de provar aquilo que defendiam,
só que de um modo diferente, é claro. “Neste
espírito de súplica e piedosa investigação das Escrituras, emergiu triunfante o
movimento adventista” (OLIVEIRA, 1988, p. 35). A forte ênfase na
metodologia de dar provas bíblicas das doutrinas que defendia (ver Isaías 8:20) deu forças dogmáticas ao adventismo. Mas, alguém que
participara dos idos pioneiros desta igreja já tinha previsto que “novos
métodos e novos planos resultarão de novas circunstâncias. Novos pensamentos
virão com os novos obreiros que se dedicarem ao trabalho” (WHITE, 2007, p. 216;
ver também 1Coríntios 9:19-22).
E,
realmente, ao observar a história da Igreja Adventista, é possível perceber que
essa força de provar a “verdade” (João 14:6), como um grande
diferencial oferecido aos seus prosélitos, durou de maneira mais destacada até
as décadas de 1970 e 1980, quando então o mundo já estaria tomando força em
outra direção de pensamento (SANTOS, 2011, p. 631-666). Ou seja, embora os
adventistas sejam oriundos do restauracionismo (KNIGHT, 2005, p. 30; RODRIGUES, 2012, p. 265-287), em alguns
aspectos, a IASD já se alinhou à forma puritana e abandonou sua herança
reformadora restauracionista mais radical (SEPULVEDA, [s.d.] a,b), na saudável
busca pela contextualização da transmissão de sua mensagem de valores eternos,
inovando os métodos sem perder os valores.
Deus
Seja Louvado!
Feliz
2015!
DELGADO,
Lucila de Almeida Neves: FERREIRA, Jorge (Org.). O Brasil republicano.
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