quarta-feira, 25 de março de 2015

Quem é a Mulher Virtuosa de Provérbios 31?

Encontrei uma interpretação teológica questionável. Em seu folheto de lições bíblicas intitulado ”Provérbios”, na parte proposta para ser estudada em 24 de março de 2105, Jacques Doukhan sugere que teríamos “boas razões para crer que a ‘mulher virtuosa’ [de Pv. 31:10-31] represente a sabedoria”, como personificação, em paralelo com o capítulo 8. Apesar de ser professor de Hebraico e Exegese do Antigo Testamento, aqui este doutor em teologia apresenta algo muito questionável. A seguir, apresento dez razões pelas quais discordo desta interpretação de Doukhan.

1) Tenho vários comentários bíblicos em casa. Não encontrei nenhum outro comentário bíblico ou teólogo que faça tal interpretação. Pode até existir, mas como olhei em vários e não encontrei nenhum, com certeza será uma minoria em viés da teologia clássica.

2) Doukhan é um adventista do sétimo dia. Mas assim como os comentaristas em geral, nos teólogos adventistas que pesquisei também não encontrei nem um que fugisse da interpretação tradicional, que é ver a mulher de Provérbios 31 como realmente uma mulher.

3) Ainda perseguindo a orientação teológica de Doukhan, é interessante notar que o Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia (SDABC) também não vê a mulher virtuosa de Provérbios 31 como sendo a personificação paralela da sabedoria de Provérbios 8.

4) Nem mesmo Ellen G. White (EGW), autora usada como referência dentro do adventismo, faz qualquer aplicação diferente de dizer que o que o autor de Provérbios 31 queria apresentar seria uma pessoa prudente, sábia.

5) Encontrei uma fonte teológica que aplica a personagem de Provérbios 31:10-31 para além de uma simples mulher: Virgínia Everett Davidson e Ernest J. Steed. Mas nessa “Lição da Escola Sabatina” do quarto trimestre de 2000, esses autores simplesmente sugerem que ambos os cônjuges, ou seja, também o homem e não somente a mulher, poderiam copiar os exemplos de comportamento descritos no texto.

6) Não existe correlação linguística para os termos “mulher” de Pv. 31 e “sabedoria” de Pv 8. O autor força a barra ao dizer que essa personificação da sabedoria seria justificada “porque a palavra hebraica para ‘sabedoria’, chokmah, é um substantivo feminino”. Ora, então eu posso dizer que as éguas de Faraó mencionadas em Cantares 1:9 representam a Igreja, pois ambos (égua e igreja) são substantivos femininos. Na realidade, o original hebraico issah para a palavra mulher em Pv 31 não tem nenhuma raiz ou prefixo comum com chokmah.

7) A mulher virtuosa tem um marido (versos 11, 23 e 25). Quem seria o marido da sabedoria? Se anteriormente Doukhan interpreta que a sabedoria de Provérbios 8 seria a personificação de Jesus, então Jesus seria uma mulher? Se a mulher fosse Jesus, quem seria o marido de Jesus? E a igreja, seria simbolizada biblicamente pela mulher, pelo marido ou por Jesus?

8) “Fala com sabedoria” (verso 26, NVI). Ou seja, “abre a sua boca com sabedoria”. A sabedoria fala com sabedoria? Ou, a sabedoria é sábia? Se a mulher de Provérbios 31 fosse a sabedoria, porque o autor precisaria dizer que ela é sábia? Não seria óbvio que a sabedoria é sabedoria?

9) Da mesma forma, a personagem de Pv. 31 é apresentada no verso 30 como alguém que “teme ao Senhor”. Mas o autor Doukhan interpreta Provérbios 9 em definição de que a sabedoria é o temor do Senhor. Seria correto então dizer que o temor do Senhor teme ao Senhor? Ou que o temor do Senhor tem o Temor do Senhor? Apegar-se à essa não redundância neste item e no anterior pode parecer pequeno, mas esse é o mesmo “princípio hermenêutico” usado pelos adventistas para combater os anti-trinitarianos que dizem que o Espírito Santo seria somente o espírito de Deus, alegando que seria incoerente interpredar de muitas passagens o espírito do espírito de Deus.

10) E por fim, vale notar que os autores de Provérbios 8 e de Provérbios 31 não são a mesma pessoa. Isso diminui a suposta evidência que, depois de escrever quase todo seu livro sobre sabedoria, o autor agora viesse a fazer uma conclusão com chave de ouro num resumo alegórico. O próprio título do livro bíblico já nos deixa claro que temos uma coletânea de verdades, e não uma cadeia textual exatamente correlata e crescente entre si.

Conclusão

Interpretação virtuosa, quem a achará? Prefiro ficar com a interpretação tradicional, onde tanto os autores comentaristas bíblicos em geral, quanto os teólogos adventistas, quanto o SDABC, quanto EGW e até mesmo as Lições de Escola Sabatina sobre Provérbios anteriores a esta afirmam que a mulher virtuosa de Provérbios 31:10-31 é “literalmente, uma esposa nobre (Comentário Bíblico Moody, 77)”.

O teólogo Jacques Doukhan teria sido mais feliz se tivesse feito uma aplicação, e não uma interpretação. Uma coisa é dizer que o texto ou o autor do texto querem dizer exatamente isso. Outra coisa é dizer que poderíamos fazer um paralelo deste texto com aquele outro. Ou seja. Uma coisa é querer dizer que mulher virtuosa em Provérbios 31 seria um símbolo que personifica a sabedoria de Provérbios 8, escrito nesta intencionalidade pelo autor. Outra coisa seria fazer uma aplicação, chamando a atenção do leitor para notar a curiosidade de que ambas as descrições têm vários pontos semelhantes.

Mas de qualquer forma, podemos aprender de Provérbios que a sabedoria pode ser buscada por nós para a personificarmos em nós mesmos, e que uma pessoa que procurar ser virtuosa terminará parecendo ser uma própria personificação da sabedoria.

Isto é buscar ser semelhante a Jesus. Busque ser sábio, e você será semelhante a Ele. Busque a Ele, você será sábio! Ele é a própria sabedoria em Pessoa.

Um abraço,

Pr. Valdeci Jr.

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3 comentários:

  1. Concordo. As vezes o autor da lição, parece impor a opinião e interpretação própria como se fossem a última palavra quando se trata da hermenêutica dos textos bíblicos por ele apresentados.

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  2. Ao ler o relato da lição fiquei confusa, mais depois deste estudo fiquei maravilhada!!!!

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  3. Obrigada Pastor. Confesso que fique um pouco "chocada" com a interpretação. Patrícia.

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