1) Tenho vários comentários bíblicos em casa. Não encontrei nenhum outro comentário bíblico ou teólogo que faça tal interpretação. Pode até existir, mas como olhei em vários e não encontrei nenhum, com certeza será uma minoria em viés da teologia clássica.
2) Doukhan é um adventista do sétimo dia. Mas assim como os comentaristas em geral, nos teólogos adventistas que pesquisei também não encontrei nem um que fugisse da interpretação tradicional, que é ver a mulher de Provérbios 31 como realmente uma mulher.
3) Ainda perseguindo a orientação teológica de Doukhan, é interessante notar que o Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia (SDABC) também não vê a mulher virtuosa de Provérbios 31 como sendo a personificação paralela da sabedoria de Provérbios 8.
4) Nem mesmo Ellen G. White (EGW), autora usada como referência dentro do adventismo, faz qualquer aplicação diferente de dizer que o que o autor de Provérbios 31 queria apresentar seria uma pessoa prudente, sábia.
5) Encontrei uma fonte teológica que aplica a personagem de Provérbios 31:10-31 para além de uma simples mulher: Virgínia Everett Davidson e Ernest J. Steed. Mas nessa “Lição da Escola Sabatina” do quarto trimestre de 2000, esses autores simplesmente sugerem que ambos os cônjuges, ou seja, também o homem e não somente a mulher, poderiam copiar os exemplos de comportamento descritos no texto.
6) Não existe correlação linguística para os termos “mulher” de Pv. 31 e “sabedoria” de Pv 8. O autor força a barra ao dizer que essa personificação da sabedoria seria justificada “porque a palavra hebraica para ‘sabedoria’, chokmah, é um substantivo feminino”. Ora, então eu posso dizer que as éguas de Faraó mencionadas em Cantares 1:9 representam a Igreja, pois ambos (égua e igreja) são substantivos femininos. Na realidade, o original hebraico issah para a palavra mulher em Pv 31 não tem nenhuma raiz ou prefixo comum com chokmah.
7) A mulher virtuosa tem um marido (versos 11, 23 e 25). Quem seria o marido da sabedoria? Se anteriormente Doukhan interpreta que a sabedoria de Provérbios 8 seria a personificação de Jesus, então Jesus seria uma mulher? Se a mulher fosse Jesus, quem seria o marido de Jesus? E a igreja, seria simbolizada biblicamente pela mulher, pelo marido ou por Jesus?
8) “Fala com sabedoria” (verso 26, NVI). Ou seja, “abre a sua boca com sabedoria”. A sabedoria fala com sabedoria? Ou, a sabedoria é sábia? Se a mulher de Provérbios 31 fosse a sabedoria, porque o autor precisaria dizer que ela é sábia? Não seria óbvio que a sabedoria é sabedoria?
9) Da mesma forma, a personagem de Pv. 31 é apresentada no verso 30 como alguém que “teme ao Senhor”. Mas o autor Doukhan interpreta Provérbios 9 em definição de que a sabedoria é o temor do Senhor. Seria correto então dizer que o temor do Senhor teme ao Senhor? Ou que o temor do Senhor tem o Temor do Senhor? Apegar-se à essa não redundância neste item e no anterior pode parecer pequeno, mas esse é o mesmo “princípio hermenêutico” usado pelos adventistas para combater os anti-trinitarianos que dizem que o Espírito Santo seria somente o espírito de Deus, alegando que seria incoerente interpredar de muitas passagens o espírito do espírito de Deus.
10) E por fim, vale notar que os autores de Provérbios 8 e de Provérbios 31 não são a mesma pessoa. Isso diminui a suposta evidência que, depois de escrever quase todo seu livro sobre sabedoria, o autor agora viesse a fazer uma conclusão com chave de ouro num resumo alegórico. O próprio título do livro bíblico já nos deixa claro que temos uma coletânea de verdades, e não uma cadeia textual exatamente correlata e crescente entre si.
Conclusão
Interpretação virtuosa, quem a achará? Prefiro ficar com a interpretação tradicional, onde tanto os autores comentaristas bíblicos em geral, quanto os teólogos adventistas, quanto o SDABC, quanto EGW e até mesmo as Lições de Escola Sabatina sobre Provérbios anteriores a esta afirmam que a mulher virtuosa de Provérbios 31:10-31 é “literalmente, uma esposa nobre (Comentário Bíblico Moody, 77)”.
O teólogo Jacques Doukhan teria sido mais feliz se tivesse feito uma aplicação, e não uma interpretação. Uma coisa é dizer que o texto ou o autor do texto querem dizer exatamente isso. Outra coisa é dizer que poderíamos fazer um paralelo deste texto com aquele outro. Ou seja. Uma coisa é querer dizer que mulher virtuosa em Provérbios 31 seria um símbolo que personifica a sabedoria de Provérbios 8, escrito nesta intencionalidade pelo autor. Outra coisa seria fazer uma aplicação, chamando a atenção do leitor para notar a curiosidade de que ambas as descrições têm vários pontos semelhantes.
Mas de qualquer forma, podemos aprender de Provérbios que a sabedoria pode ser buscada por nós para a personificarmos em nós mesmos, e que uma pessoa que procurar ser virtuosa terminará parecendo ser uma própria personificação da sabedoria.
Isto é buscar ser semelhante a Jesus. Busque ser sábio, e você será semelhante a Ele. Busque a Ele, você será sábio! Ele é a própria sabedoria em Pessoa.
Um abraço,
Pr. Valdeci Jr.
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Concordo. As vezes o autor da lição, parece impor a opinião e interpretação própria como se fossem a última palavra quando se trata da hermenêutica dos textos bíblicos por ele apresentados.
ResponderExcluirAo ler o relato da lição fiquei confusa, mais depois deste estudo fiquei maravilhada!!!!
ResponderExcluirObrigada Pastor. Confesso que fique um pouco "chocada" com a interpretação. Patrícia.
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