terça-feira, 8 de maio de 2012

A Missão da Igreja Diante da Secularização, da Industrialização e da Urbanização no Ocidente


Introdução

Acabo de ler um artigo acadêmico da área teológica que quero compartilhar com você. O trabalho "Secularization and the City: Christian Witness in Scular Urban" é, na realidade, o quinto capítulo de Discipling The City (Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1992, páginas 69 a 83), um livro editado por Roger Greenway, contendo vários autores. Neste quinto capítulo, Craig Van Gelder faz uma análise do interrelacionamento entre a urbanização, a industrialização e a secularização no Ocidente.

Craig Van Gelder

Gelder foi ordenado como pastor na Igreja Presbiteriana dos EUA em 1984 e na Igreja Cristã Reformada em 1990.

Depois de ter conquistado um bacharelado de artes da Universidade Estadual da Geórgia em 1970, Van Gelder recebeu o mestrado em divindade da Reformed Theological Seminary, em Jackson, MS, em 1978. Ele fez um Ph.D. em missões na Southwestern Baptist Theological Seminary, em Fort Worth, Texas, em 1982, e um doutorado em Administração de Assuntos Urbanos da Universidade do Texas em Arlington, em 1985.

É autor do livro The Essence of the Church: A Community Created by the Spirit (2000), editor de Confident Witness-Changing World: Rediscovering the Gospel in North America (1999), co-autor de Missional Church: A Vision for the Sending of the Church in North America (1988), e co-editor de The Church Between Gospel and Culture: The Emerging Mission in North America (1996).

Gelder é professor de missão congregacional no Luther Seminary em St. Paul, MN, tendo ensinado desde 1998, por 10 anos, como professor de missiologia doméstica no Calvin Theological Seminary in Grand Rapids, MI. Ele é membro da Sociedade Americana de Missiologia, da Scientific Study of Religion, e da Urban Affairs Association.

A Secularização e a Cidade

A análise que Gelder faz no artigo é construída num olhar cronológico que tenta enxergar e expor o pensamento ocidental deste o Iluminismo até o pós-modernismo. Dela, é possível ao leitor retirar definições, diretas e ao ponto, dos termos secularização, secularismo, iluminismo, racionalismo, empirismo, modernismo, pluralismo, relativismo e pós-modernismo.

Além disso, tal artigo a) permite identificar os principais valores do iluminismo e como tais moldaram a sociedade moderna ocidental; b) descreve os efeitos da secularização sobre as crenças e costumes sociais e como as igrejas têm reagido a isto; c) mostra que efeitos uma cosmovisão relativista parece ter sobre as convicções cristãs, os comprometimentos denominacionais e os padrões éticos; d) faz entender quais são alguns dos fundamentos que os discípulos de Cristo precisam agarrar (e quais são as fontes destes fundamentos) em um mundo pós-moderno; e e) descreve sobre como a tarefa global de fazer discípulos no mundo pós-moderno pode ser vista.

Resumo do Conteúdo

Abaixo, apresento um breve resumo da explanação de Craig Van Gelder, sobre isto que acabo de relatar. Tudo o que está entre aspas e em itálico são palavras do próprio autor, apenas sob minha tradução para o português.

 “Secularização é um processo de mudanças na ordem social que ocorre quando novas tecnologias ou modos de produção são implementados”. “Este processo ganho seu maior ímpeto na cultura ocidental durante o Iluminismo...” “um salto das cosmovisões medieval e cristã, focadas em Deus e na revelação para uma cosmovisão focada no mundo imediato como a última realidade e no indivíduo como o centro da autoridade...” “associada com o secularismo, uma filosofia hostil às crenças espirituais e explanações sobrenaturais dos eventos e da história”.
“Uma das mais interessantes características desta nova cosmovisão [pós-modernismo] é que ela mantêm o modelo econômico enraizado na tecnologia baseada na ciência intacto enquanto reintroduz (ou permite) elementos do sobrenatural e do espiritual”.

O Confronto à Pobreza Começa Com a Educação

“Uma maneira de resolver este problema é os professores e líderes de igrejas se tornarem envolvidos pessoalmente com os pobres e com os ministérios voltados para eles. Se cada líder cristão se tornasse pessoalmente envolvido com pelo menos uma pessoa pobre e envolvido em um ministério urbano entre os pobres, as coisas começariam a mudar nas nossas igrejas e escolas. O ensino e a pregação seriam diferentes. Petições nas quais nunca pensamos antes, seriam adicionadas às nossas orações. Nenhuma igreja ou escola seriam a mesma depois que seus líderes se tornassem pessoas envolvidas com os pobres. E a vida nas favelas mudaria também”.

“Quando pastores e professores engajam no ministério voltado aos pobres, estudantes e membros da igreja fazem o mesmo. A membresia costuma fazer o que vê os seus líderes apoiando que seja feito. Mas quando os líderes mostram o caminho e o modelo da genuína compaixão em suas próprias vidas e ministérios, a onda pega nas instituições. A pregação e a instrução passam a ter nova credibilidade e ministérios que nunca haviam sido tentados antes podem ser introduzidos”.

Sobre “o erguimento do Pós-Modernismo e da cultura baseada no iluminismo” sobre os quais “Karl Marx e outros advertiram” acerca dos “preços a pagar”, baseado em “Max Weber, um sociólogo alemão...” no “sociólogo Emile Durkheim”, em “Dietrich Bonhoeffer”, nos filósofos “Kant, Hegel e Kierkegaard”,  e em vários outros grandes escritores, Gelder explana sobre “a disseminação do projeto moderno e as respostas para os seus efeitos”: “A consciência crescente de que a secularização foi uma bênção e uma maldição começou a permear toda a literatura tanto do movimento de missões quanto do crescente movimento ecumênico”. “Esta acomodação passou por uma série de desenvolvimentos teológicos ao longo do tempo, incluindo o movimento do evangelho social, o liberalismo clássico, a neo-ortodoxia e o existencialismo”.

Mudanças no Projeto Moderno e Seus Principais Pressupostos no Ocidente

“Durante a década de 1960...[houve] a necessidade de as igrejas tornarem-se seculares em benefício do mundo”. Este movimento reformulou “a cosmovisão cristã” e “alcançou seu pico com os teólogos da ‘morte de Deus’”. Uma “ultra secularidade” eliminou “a influência cristã” e concebeu o “pluralismo”.

A Disseminação do Projeto Moderno no Mundo e Sua Influência

Apareceram dois padrões comuns nas partes do Terceiro Mundo e do Mundo em Desenvolvimento que aceitaram as mudanças modernistas e a secularização”. No primeiro caso, “um grupo minoritário apropriou-se dos benefícios da infusão do capital e da tecnologia ocidentais, enquanto a vasta maioria continuou a viver dependente da agricultura e em extrema pobreza”. No outro caso, “muitas nações lançaram processos de expansão econômica e de urbanização que levaram ao deslocamento em massa dos grandes setores de suas populações a partir de seus padrões de vida tradicionais”. Este foi o caso, por exemplo, do nosso Brasil.

Durante os últimos trinta anos [décadas de 1960, 70 e 80], a secularização, em face da modernização, tem golpeado muitas das nações subdesenvolvidas e em desenvolvimento com uma vingança”, destruindo todos os seus sistemas tradicionais de cultura. Uns poucos, como o Japão e a Índia, ficaram bem posicionados para incorporar a economia e a tecnologia modernistas sem deixar que seus sistemas tradicionais de crenças fossem deslocados”. Por isto, as missões aqui têm distintos alvos e desafios.

“O massivo crescimento dos centros urbanos nos países que não do primeiro mundo são uma conseqüência da introdução do modernismo, mas não estão ligados diretamente ao desenvolvimento”. Conseqüentemente, acontece “a ruptura da tradição, o rompimento da comunidade, a fragmentação da família”... e o “a necessidade de viver em extrema pobreza”.

O Colapso do Modernismo: Um Mundo Pós-Moderno

“Enquanto verdades empíricas podiam ser mantidas baseadas em ​​"fatos" observáveis, ficava claro que nenhum campo unificado de conhecimento poderia ser construído sem incluir a consideração dos "valores". Era “o colapso do fundamentalismo”... “Da filosofia, a consciência se espalhou pelas outras artes, como a pintura [impressionistas e expressionistas]..., a música, a literatura, o teatro”, onde “líderes em cada disciplina desistiam de tentar descobrir a essência ou os princípios essenciais que se supunham para pressupor e guiar seus trabalhos”.

“A mudança, nessa transição, foi de uma cosmovisão que procurava definir um todo racional para tudo na vida para uma visão de mundo que aceitava a condição humana como relativa para qualquer reivindicação da verdade em qualquer contingente, situação ou circunstância”. “Um mundo relativista... nas ciências físicas [física quântica, teoria da relatividade, princípio da incerteza] e sociais [psicologia Freudiana e sociologia Weberiana], “A própria ciência... estava experimentando uma mudança de cosmovisão”... bem como a “cultura mais ampla e os sistemas econômicos e políticos”.
A secularização passou por duas fases e agora estamos na terceira. “Não estamos mais nos poderes do músculo ou da máquina, mas sim na expansão e manipulação da informação para gerenciar nossas vidas. Isto representa a terceira fase da secularização no mundo Ocidental, uma fase caracterizada pelo poder da informação”... “Nós agora vivemos num mundo de miniaturização, diferenciação e individualização sem fim”... “Mudança e fluxo... em lugar de substância e princípio”.

Resumo Conclusivo

“Seja qual for a nomenclatura, a nova realidade agora torna-se clara. Nós ainda temos os processos básicos da economia modernista por aí, junto com as tecnologias que dirigem seu desenvolvimento, mas nós temos perdido as principais suposições do iluminismo (ordem racional, progresso histórico e gerenciamento da vida) que fundaram sua identidade, e nós temos também visto a diminuição da viabilidade das instituições centrais (estado-nação, capitalismo e burocracia) que moldaram seu desenvolvimento. Isto significa que a secularização ainda é uma realidade, mas tem assumido uma nova face na aldeia global; uma face pós-moderna com ênfases no fluxo, nas superfícies, nas imagens, e, no presente momento, em tudo que opera em comum aceitação do pluralismo e do relativismo”...

Esta cosmovisão pós-moderna, com sua nova face de secularidade, reintroduziu um elemento que o modernismo tinha perdido: a espiritualidade e o sobrenatural. Restam dois desafios para a igreja: apresentar a verdade como verdadeira para quem não entende que exista que a verdade exista e apresentar a verdade como única para os que são pluralistas.

Análise Crítica Conclusiva

Deste material, poderei tirar ótimas referências de apoio para uma parte na minha dissertação onde pretendo apresentar as mudanças de pensamento ao longo do século. Nesta apresentação, faço um paralelismo entre o pensamento filosófico e o puritano, chegando aos nossos dias numa comparação que termina apresentando o neopentecostal como pós-moderno. Este capítulo de Gelder é um apoio que ajuda a responder, ou justificar, a razão de o neopentecostal ser pós-moderno.

Um ponto positivo do pós-modernismo é o seu lado “religioso” de aceitação à espiritualidade e sobrenaturalidade, pois isso abre uma oportunidade evangelística. E este é o vácuo no qual o cristianismo deve pegar ar. Na dissertação que estou construindo, também apresento a mudança da cosmovisão do mundo científico, o que também já era concebido por Craig Van Gelder.

Mas a novidade para mim foi conseguir enxergar, pelas lentes de Gelder, de forma mais límpida, uma diferenciação entre a secularização e o secularismo. Por elas, pude perceber que a secularização seria uma ótima oportunidade para a edificação e o crescimento do cristianismo. O problema foi a introdução da doença chamada secularismo, que meteu, na secularização, uma nova face.

Por um lado, é uma pena que este artigo tenha sido escrito há vinte anos. O que nele é apresentado como “hoje” é obsoleto e carente de reanálise. Por outro lado, é incrível ver como um autor, no milênio passado, falava como se estivesse falando em plena segunda década do século vinte e um. Penso que o que ele mudaria hoje, seria sua postura em exaltar demais os supostos valores do iluminismo, características estas que eram muito falhas também.

Um abraço,

Twitter: @Valdeci_Junior

Informação Bibliográfica: Craig Van Gelder, “Secularization and the City: Christian Witness in Scular Urban” – Disciplin The Church, editado por Roger S. Greenway, 2ªa ed., Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1992, páginas 69 a 83.

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