Uma Explicação Sobre As Postagens Anteriores Acerca dos Usos Eclesiásticos Dos Números
Há alguns dias, coloquei uma postagem breve fazendo alguns comentários sobre a questão de lidar com números nos procedimentos eclesiásticos. Houve reação, não por comentário de blog, o qual eu responderia, o que me levou a uma segunda postagem. Houve mais reações, e, para não escandalizar os mais fracos, que não têm tanta amplitude de compreensão do contexto que originava tais reflexões, deixei as postagens em off por alguns dias. E agora, estou voltando a comentar sobre o assunto, de uma forma ainda resumida, mas um pouco mais explicada, aqui nesta postagem, de maneira que o leitor poderá entender melhor o que eu estava a pensar e dizer. As postagens sobre as quais me refiro podem ser lidas clicando aqui, e aqui.
Um grande pastor amigo, o qual muito estimo e aprecio, e do qual tenho muita consideração sobre seus conselhos, enviou-me, por um email intitulado “Frutos na vida do pastor”, duas citações do espírito de profecia que esclarecem todas as dúvidas. Digo dúvidas, porque quando um pastor diz sobre os números como eu dissera, talvez alguém que não conhece todo o contexto pode interpretar tal pastor como alguém que está se eximindo de seu dever ministerial. E para percebermos que este não é o caso, analisemos as duas citações que terminam de explicar o que eu começara a dizer naquelas duas postagens anteriores sobre números.
“Frutos na vida do pastor”
“A conversão dos pecadores por meio da verdade é a mais forte prova, para um pastor, de que Deus o chamou para o ministério. A evidência de seu apostolado está escrita no coração desses conversos... Um pastor é grandemente fortalecido por esses sinais de seu ministério.” (Ellen White, Atos dos Apóstolos. 328)
“Aos que chama para a obra do ministério, o Senhor dará tato e habilidade e entendimento. Se depois de trabalhar por doze meses... um homem não tem frutos a apresentar por seus esforços, se as pessoas por quem ele trabalhou não foram beneficiadas, se não elevou a norma em lugares novos e não há almas convertidas por seus esforços, esse homem deve humilhar o coração diante de Deus, e buscar compreender se não se enganou em sua vocação. O ordenado pago pela associação deve ser dado aos que mostram o fruto por seu trabalho. A obra de uma pessoa que reconhece a Deus como sua eficiência, que tem verdadeira concepção do valor de almas, e a própria alma cheia do amor de Cristo, será frutífera.” (Ellen White,Manuscrito 26, 1905; Evangelismo 867).
Note, que nestas duas citações, nas quais a autora fala muito clara e abertamente sobre o dever do pastor, em momento algum ela enfatiza a busca pelo alcance de determinados números, nem mesmo número de pessoas. Percebe? Nestas citações, onde está a ênfase nos números? Em lugar nenhum. Se quiséssemos forçar estas citações fazendo-as dizer que frutos/conversões/benefícios às pessoas/ fossem iguais a contagens numéricas, então, baseados nas mesmas citações, poderíamos chegar ao fim do ano tendo batizado uma pessoa e crescido um por cento em dízimos e estar contentes, porque poderíamos chamar isso de frutos e/ou conversão números, uma vez que “1” também é número, e ela teria falado de números sem estipular exatamente as percentagens ou os algarismos. Pois, a valorização aos números é, também, relativa.
Por outro lado, estas citações não falam em trazer alguém para a igreja, ou batizar alguém. Tal “conversão” citada no texto talvez possa ser também interpretada como as conversões internas, dentro da igreja. Note que, quando fala de frutos, a citação não fala de batismos e/ou dízimos, mas sim de benefícios a pessoas, conversão (que deve ser diária e para sempre na vida do crente) e valorização das pessoas. Lógico, teologicamente falando, frutos seriam virtudes(Gálatas 5:22) e não números de prosélitos.
Ainda falando sobre o trabalho do pastor, a mesma autora comenta que “ao trabalhar em lugares em que já se encontram alguns na fé, no começo [talvez nos três primeiros anos, de um tempo de ministério que seria o ideal recomendável: de 6 a 8 anos em um só lugar] o pastor não deve buscar tanto converter os incrédulos quanto treinar os membros da igreja para prestarem cooperação proveitosa (Obreiros Evangélicos, 196)”. Como interpretar citações de uma mesma autora, as quais, dependendo das interpretações que a elas déssemos, pareceriam contradizer-se? O levante de tais questionamentos serve para se ter uma idéia de que é possível defender quase que qualquer idéia com textos bíblicos ou do espírito de profecia. Por isso, é preciso cuidar com o que pode ser visto nos seguintes links: http://www.youtube.com/watch?v=c8YROwo9A_g ; http://pt.scribd.com/doc/66084171/Como-Ler-Ellen-White . Se existe um livro que é de leitura indispensável para qualquer pessoa que queira usar as orientações do espírito de profecia é a obra “Como Interpretar Ellen White no Século XXI”, de George Knight. Tenho recomendado-o muito, ultimamente. Ou seja, existem parâmetros para a correta hermenêutica, quanto aos textos whitianos.
Uma vez, quando eu estava trocando umas idéias com o então diretor do Centro de Pesquisas Ellen White do Unasp Campus 2, exatamente sobre este assunto, ele me fez a seguinte orientação (por email, o qual o tenho guardado):
...Ellen White nao fez afirmações sistemáticas sobre a importância dos números e alvos de batismos. Porém, ela sempre incentivou a liderança da IASD a estabelecer um sistema e administração que pudesse motivar ministros e servidores da IASD a trabalharem de tal maneira que pudessem ter objetivos definidos de modo que a tarefa por eles realizada fosse feita de modo organizado (ordem – 1ª lei do céu). Nesse sentido, os alvos de batismos, relatórios, etc., são apenas meios e não fim em si mesmos para servirem como balizas ou bússolas norteadoras para que tanto ministros (pastores e administradores) possam obter uma visão organizada quanto a forma (metodologia) que estão aplicando em seu labor a fim de obterem um desempenho mais eficaz na pregação do evangelho eterno em Cristo Jesus. O grande aspecto a ser destacado e que muitos ministros não conseguem conviver com esta realidade pois sentem-se sufocados pelas constantes cobranças que são estipuladas pelos lideres de seus campos. Entretanto... o foco de um verdadeiro ministro do evangelho deve ser aquele deixado por Cristo Jesus, o qual entregou-se a Si mesmo por todos nos, andando, ensinando, pregando e acima de tudo amando a todos que Lhe foram confiados por Deus...[sic]
Ou seja, o equilíbrio estará sempre no fato de que alvos e relatórios são bons dignos de ser usados por nós, se os consideramos secundários e de menor importância.
Então, Destruiremos os Números?
Não! O autor Moisés ficaria muito triste! Costumo dizer que, como sou apaixonado por Letras, para mim, todos os números são apenas primos. Mas, por favor, não matem os meus primos! Sobre os números, não tenho nada contra eles. Simplesmente não os tenho como foco ou parâmetro para meu trabalho, pois o ministério é muito mais abstrato do que empírico. Não é neles que ponho minhas esperanças, nem vocacional, nem pessoal, nem ministerial, nem profissional. Não concordo com o uso simplório dos números para medir um suposto sucesso ministerial. Jamais! Senão, terei que condenar Noé, que pregou 120 anos e conseguiu apenas 7 pessoas, e desbancar Deus de sua cadeira ministerial pois, no final de Sua luta redentiva, terá perdido a maioria para as fileiras do inferno, deixando o suposto sucesso ministerial para o Diabo (e assim, poderíamos ficar horas digitando vários outros exemplos bíblicos e/ou históricos que defenderiam tal linha argumentativa).
Números até que tem uma utilidade: dizer o que aconteceu (e dizer é diferente de julgar). Servem como um mero pálido indicador remoto que sempre deverá ser visto como passível de possível falha avaliativa. Os números não são o problema. O problema são as maneiras erradas de se usar os números. Abaixo, coloco algumas destas maneiras doentias de lidar com os números nos procedimentos da igreja, apenas como exemplo de muitas outras.
1)Tentar fazer com que limitados relatórios digam o que eles não têm a capacidade de dizer. É usar a imaginação para fazer interpretações diversas e criativas a partir de simplórias consultas quantitativas e restritivas numa tentativa sem parâmetros de torná-las qualitativas.
2) Comparar contextos, pessoas e ministérios diferentes com base em números que forçosamente tentaria enfiá-los numa bitola injusta.
3) Valorizar ou desvalorizar um trabalho que deveria ser observado por uma quantidade infinitamente mais ampla de critérios que aí são substituídos apenas por um jeito mais fácil e simplório de buscar qualquer justificativa criada mas que não se sustenta a longo prazo.
4) Imaginar que os números devem representar ou nortear o trabalho do Espírito Santo, a vontade de Deus, a intervenção do mal e o livre arbítrio humano.
5) Ter os números como o obcecado parâmetro norteador de um trabalho que não é limitado a tais mensurações.
6) Usar os relatórios numéricos para auto-promoção pessoal-profissional ou auto-promoção de um grupo em relação a outros (sejam estes outros paralelos, ou supostos “superiores”).
7) Perseguir o alcance aos números (inclusive, números de pessoas, com a escusa de que o interesse seria por pessoas) para não ser mal visto em seu trabalho ou em sua carreira.
8) Premiar ou louvar ou ovacionar ou aplaudir um pastor, evangelista, ancião, tesoureiro como suposto “campeão” porque alcançou determinado número maior de dízimos ou batismos ou percentual maior de relatório de suposto crescimento medido por critérios limitados que não avaliam o todo (e é impossível avaliar o todo). Esta é uma das práticas mais repugnantes que já aconteceu na história de diferentes denominações cristãs. Mas, graças a Deus, a maioria das administrações dos campos das igrejas não a pratica mais. E os que ainda a praticam o fazem com uma ênfase cada vez menor, na consciência de que isso é algo obsoleto e inútil e não-benéfico que, à medida que for sendo possível moldar a cultura com a inserção de novos parâmetros, deverá ir sendo substituído por maneiras mais nobres, ainda nesta geração.
9) Achar que o sucesso ou fracasso do trabalho ministerial de alguém ou de algum grupo poderiam ser medidos pelos relatórios numéricos que temos.
10) Efetuar procedimentos errados, de forma consciente, sem levar em consideração as conseqüências de tais erros, simplesmente por ter um número a alcançar. Os fins não justificam os meios. Fazer a coisa certa do jeito errado é fazer errado. Logo, sacrificar coisas mais nobres do ministério para apresentar um suposto sucesso ministerial não é compensador.
11) Imaginar que a “festa no Céu” pelo que fazemos acontecer na Terra seja baseada em quantidades.
Ao lembrar-me destes exemplos de maneiras doentias de lidar-se com números nos ministérios leigo e pastoral, não estou fazendo uma tentativa de identificar por quem e onde talvez estes procedimentos estariam acontecendo. Os números, a gente olha pra eles, diz um “ânrrã”, e bola pra frente. Alvos que não sejam doentios são necessários. No livro “Rumo ao Futuro, Como Liderar a Igreja do Século XXI” Jere D. Patzer dá algumas boas dicas sobre como estabelecer-se alvos de uma forma equilibrada. Como esta pauta nele torna-se extensa, aqui, apenas recomendo-lhe a leitura do mesmo.
Mas a Lição da Escola Sabatina da semana passada trouxe uns comentários interessantes sobre como lidar com alvos de forma sadia:
Alvos realistas têm quatro características:
1. Acessíveis. As finanças desempenham um papel importante em muitas estratégias da igreja. Considere os custos com publicidade, transporte, materiais, correspondências, aluguel de espaço, alimentação, etc.
2. Realizáveis. Os alvos são atingíveis? Temos dinheiro, tempo, apoio, instalações e pessoal para alcançar os resultados? É melhor começar com um projeto pequeno e desenvolver um projeto maior, à medida que outros se unem à equipe, ao mesmo tempo em que é dado apoio a outras áreas importantes.
3. Sustentáveis. Se um ministério de evangelismo é bem-sucedido, vale a pena repeti-lo. Pode ser que seu ministério seja parte de uma estratégia permanente. Nesse caso, é preciso olhar para a frente, a fim de organizar o que for necessário para sustentar esse ministério.
4. Sujeitos à avaliação. Tenha certeza de que são avaliados continuamente todos os aspectos do ministério, equipe, finanças, treinamento, resultados, etc. Devem ser estabelecidos e respeitados períodos de avaliação definidos e regulares. Examine a forma pela qual esse empreendimento contribuiu para o evangelismo geral da igreja.
É importante sabermos quantas pessoas temos e quanto de dinheiro temos, para sabermos como iremos atendê-las.
Na Bíblia, encontramos relatos históricos (não-normativos; não-avaliativos) onde números são citados. Todavia, não existe uma única passagem bíblica nem exemplificando nem normatizando, sobre estratégia de trabalho ministerial, de discipulado, de evangelização, de pregação ou de apostolado focado em alvos numéricos. Onde, na Bíblia, existiria uma comissão evangélica que em seus critérios de planejamento teria usado números ou percentuais numéricos para tê-los como parâmetros ao estabelecer-se? É por isso que gosto da oração do meu presidente de campo, o pastor Otimar Gonçalves, quando ele faz questão de interceder por toda a população da cidade, da comunidade, do estado, etc. e não meramente por um alvo limitadamente estabelecido. Meu amor por Deus e pelas pessoas que queremos salvar é grande demais para limitar-se a conter ínfimas contagens almejadas ou alcançadas, pois é nEle que me espelho. Deus não quer alcançar um determinado número de pessoas; Ele quer alcançar a todos. Deste todo, o número que irá aceitar ou rejeitar, fica fora do controle até do próprio Deus, que Se limita a respeitar as diferenças e o livre-arbítrio de cada um. E se Ele não controla isso, quem sou eu pra controlar (falando tanto da multidão que salvaremos, quanto da multidão que perderemos)?
Por isso, não podemos julgar as pessoas quando as virmos usando números e relatórios, pois não temos como ver os motivos e objetivos contidos no seu coração, que podem ser equivocados ou corretos.
Concluindo, isso é uma pontinha do todo do que penso (minha opinião pessoal; mas que ao mesmo tempo não se desarmoniza de nada que a inspiração ou a igreja já escreveram oficialmente sobre tal pauta) sobre o uso dos números nos ministérios pastoral e leigo. Mas consigo conviver, numa boa, com as pessoas que escolhem pensar diferentemente, sem julgá-las ou avaliá-las. Afinal, mesmo dentro do adventismo, este não é o único assunto teológico sobre o qual temos diferentes linhas de pensamento. Este não é o único assunto polêmico (a lembrar-se de “quem são os 14400?”; “masturbação”; “ressurreição especial”; “batismo do Espírito Santo nos eventos finais, individual ou coletivo?”; “Música”; “Bater palmas na igreja”; “Beber coca-cola, cerveja sem álcool, etc.”; “Ir a cinema”; “O que aconteceu com a filha de Jefté”; “Jóias”; “Se Atum tem escamas, ou não”; “O que significa o termo ‘o mar já não existe’ de Ap. 21”; “a interpretação de ‘sinal’ e ‘sinais’ em Mateus 24”; “se a pregação do evangelho seria realmente o sinal dependente da ação da igreja para que então Jesus voltasse”; “divórcio e segundo casamento”; “o que fazer com quem namora com quem não é da igreja”; “o que é pornéia e até onde a tal pornéia se validaria como adultério ou fornicação que justificaria divórcio, disciplina eclesiástica e novo casamento”; “a constelação de Órion”; etc.) com o qual convivemos. Todas estas pautas entre os parênteses da oração anterior são matérias para as quais vamos encontrar teólogos adventistas reconhecidos pela igreja, ao mesmo tempo, com diferentes linhas de pensamento e ainda harmonizando-se nos outros pontos de pensamento que são mais doutrinários do que especulativos. Logo, não serão estas diferenças que irão tirar-nos do foco maior que é, em primeiro lugar, vivermos o cristianismo e, em seguida, transmiti-lo aos semelhantes.
Todavia, não me importo, nem considero a minha vida de valor algum para mim mesmo, se tão-somente puder terminar a corrida e completar o ministério que o Senhor
Jesus me confiou, de testemunhar do evangelho da graça de Deus.
Atos 20:24.
Lembrando do sacerdócio de todos os crentes, desejo que Deus abençoe, ricamente, o seu ministério,
Um abraço,
Leia também um artigo de Érico Tadeu Xavier:
O Crescimento da Igreja Através dos Séculos.