Introdução
Jorge Lucien Burlandy
O pentecostalismo tem atraído a milhões de pessoas comuns que
se veem tentadas a se tornarem seus adeptos. Mas este movimento religioso
também tem despertado a atenção de muitos pesquisadores, tanto apologistas
quanto críticos. Uma reunião de teólogos dissertando sobre este assunto pode
ser vista na revista Parousia do
primeiro semestre de 2000, sob a coordenação do então diretor de seminário teológico,
Jorge Lucien Burlandy. Por tratar-se de um periódico acadêmico, além de trazer
os ricos textos sobre o referido assunto, também disponibiliza ao leitor uma
rica lista de referências bibliográficas e notas elucidativas.
O Movimento Pentecostal no Brasil: Breve Análise Histórica e as
Principais Razões Para o Seu Crescimento
Edilson Valiante
O então professor de teologia sistemática no SALT, professor Edilson Valiante, começa
com o primeiro capítulo sobre o “Movimento Pentecostal no Brasil: Breve Análise
Histórica e as Principais Razões Para o Seu Crescimento”. Sob a perspectiva de
Paul Freston, Valiante resume este histórico em três ondas, em cada uma das
quais ele destaca o que considera as principais denominações representantes.
Da primeira onda, o professor Edilson faz o resumo histórico
da Assembleia de Deus e da Congregação Cristã no Brasil. Da segunda onda, ele
destaca a Igreja do Evangelho Quadrangular, a Igreja Evangélica Pentecostal “O
Brasil Para Cristo”, a Igreja Pentecostal “Deus é Amor” e a Igreja Adventista
da Promessa. E da terceira Onda, ele disserta sobre a Igreja da Nova Vida, a
Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Cristã Apostólica Renascer em
Cristo e a Igreja Internacional da Graça de Deus.
Abrindo um parêntese, aqui, é curioso o contraste do
pensamento de Mendonça que “considera a Congregação como a primeira igreja
pentecostal legitimamente brasileira[i]”
com o de Reily que diz que a Igreja Adventista da Promessa, surgida “em 1932 da
Igreja Adventista do Sétimo Dia”, é reconhecida como a primeira igreja
pentecostal genuinamente brasileira[ii].
Após este resumo histórico, Valiante então procura apontar o que ele considera “as
principais razões para o crescimento do movimento pentecostal no Brasil”. Segundo
ele,
A complexidade do fenômeno pentecostal
torna impossível a tarefa de alinhar todas as possíveis razoes de seu
crescimento, ainda mais quando reconhecemos que existem relações causais de
interdependência e interpenetração. Além disso, o estudo transpassa o campo
meramente religioso, tornando obrigatória uma reflexão interdisciplinar, em
áreas como psicologia, história, política e economia.
Como razões psicológicas, Valiante destaca: a) a reação
pentecostal “diante da incapacidade das igrejas tradicionais de se tornarem
menos estáticas”, com a “recuperação do místico, do emotivo na vida religiosa”;
b) a facilidade pentecostal de mobilizar as massas; c) a criação da expectativa
“de uma vida melhor, sob a ação do ‘sagrado’”; d) a tendência brasileira da “procura
de soluções fáceis a situações complexas”; e) a “democratização do religioso”
através de “lideranças autóctones” de “gente do próprio povo que entende suas
necessidades”, da “participação mais efetiva do universo feminino” e da
informalidade litúrgica; e f) “a formação religiosa do povo brasileiro” que,
por quatro séculos, já vivia uma religião de católicos leigos receptores de um
simbolismo curandeiro místico folclórico, das tradições informais indígenas e
dos panteões e emotividades afros (fatores esses que encontram no
pentecostalismo um lugar comum para reunirem-se).
Como razões econômicas, Valiante aponta “que as igrejas
pentecostais têm crescido às expensas da crise econômica crônica em que vive o
país”, atuando nas lacunas deixadas pela precariedade da saúde pública e do
processo constantemente migratório das classes trabalhadoras que se tornam
vulneráveis a qualquer tipo de mudança, inclusive a religiosa. Ainda ressalta a
ambição pelo negócio próprio que motiva os líderes a promoverem a tal
religiosidade e os adeptos a sonharem com as promessas dos mesmos (teologia da
prosperidade).
As principais razões relativas ao poder advêm das bancadas
evangélicas no legislativo e no executivo, e da utilização da mídia. “Uma
igreja com maior força política terá mais poder de fogo nas famosas mesas de
barganha”. E o uso dos “meios de comunicação de massa” na “concorrência... por
pontos no Ibope. Isso é poder”.
Valiante conclui dizendo que “a valorização da experiência
sobre a crença e a ênfase nas emoções sobre a razão parecem oferecer motivos intrínsecos
suficientes para o crescimento acelerado do movimento pentecostal”. E nisto,
ele vê um cumprimento profético através da “avaliação escatológica do
crescimento pentecostal”.
O Dom de Línguas em 1Coríntios 12-14
Gerhard F. Hasel
O segundo artigo de Parousia:
Pentecostalismo Moderno é uma adaptação do último capítulo do livro Speaking in Tongues: Biblical Speaking in
Tongues and Contemporary Glossolalia, do falecido diretor e professor do
seminário teológico da Andrews University, Gerhard F. Hasel, no qual ele analise
o dom de línguas em 1Coríntios 12-14.
Após uma introdução na qual visualiza as diferentes
possibilidades de interpretação deste trecho bíblico, este Ph.D. descreve o
cenário histórico e o contexto nos quais os três capítulos de 1Coríntios 12-14
foram escritos. Depois disso, ele passeia pelas versões bíblicas King James
Version, New English Biblie, Bíblia de Jerusalém, New International Version,
New Revised Standard Version e Elberfelder Bibel, fazendo, em cada uma destas
traduções modernas, uma análise do falar em línguas.
Baseado nisso, Hasel sugere que “não há nenhuma razão terminológica
convincente para concluir que a expressão “falar em línguas” em 1Coríntios
12-14 tenha outro sentido, diferente, do restante do Novo Testamento”. Para
ele, “não há igualmente nenhuma razão convincente para que o falar em línguas
em Corinto refira-se a glossolalia no sentido de fala desconexa de pessoas em
êxtase religioso ou algo parecido”.
Para chegar a esta conclusão, Hasel faz uma extensa
confrontação do falar em línguas com: a) a língua dos anjos; b) a fala em
mistérios; c) a compreensão; d) as religiões helênicas de mistério; e) a
edificação da igreja; f) um sinal para os incrédulos; g) a interpretação; h) a
profecia; i) a oração; e j) a adoração de forma ordenada. E tal conclusão é a
de que o falar em línguas no Novo Testamento era o milagre de conseguir,
repentinamente, comunicar-se com pessoas de idiomas estrangeiros, “dado pelo
Espírito Santo aos crentes [não todos] com um propósito específico”: a pregação
do evangelho.
Teologia da Prosperidade: Breve Análise Crítica
Alberto R. Timm
Como descrito na introdução, “este artigo analisa
criticamente os postulados básicos da Teologia da Prosperidade à luz das
Escrituras. A primeira parte desta matéria consta de uma breve exposição sobre
Malaquias 3:7-12”, observando as maldições e as bênçãos a partir de tal
passagem. Maldiçoes decorrentes da infidelidade e bênçãos decorrentes da
obediência.
O Ph.D. Timm ao analisar as implicações da teologia da
prosperidade, esclarece que esta corrente de pensamento: a) distorce o caráter
de Deus; b) apresenta “uma linguagem utópica da existência humana no contexto
do grande conflito cósmico”; c) distorce a própria essência dos ensinos de
Cristo; d) aplica erroneamente à igreja do Novo Testamento muitas das promessas
que eram específicas à prosperidade teocrática do antigo testamento; e e)
desvirtua o amplo espectro da obediência cristã.
O resumo é o de que: a) a fidelidade esperada pelas
passagens bíblicas que prometem bênçãos é a de guardar os mandamentos de Deus; b)
no contexto em que a teologia da prosperidade é pregada tais preceitos são desvirtuados;
c) a prosperidade que a Bíblia enfoca não é necessariamente financeira ou
material; e d) a verdadeira religião cristã tem pressupostos e propósitos muito
mais elevados do que este paradoxal existencialismo que é ao mesmo tempo
altruísta e egoísta. Ou seja, uma contrafação da verdade.
Carismas no Século XXI? Análise de Três Teorias Sobre a Existência de
Dons Miraculosos na Atualidade
Marcos de Benedicto
Nada melhor do que ler uma análise desta, realizada por alguém
que é, ao mesmo tempo, teólogo, redator
e comunicador social. Na realidade, o conteúdo deste artigo de Benedicto é
paralelo ao material que já comentei aqui em “Você
Acredita em Milagres?”, resenha do livro do mesmo autor, O Fascínio dos Milagres, pois ambos os
materiais advêm de sua dissertação de mestrado “O toque da fé: paradigmas
bíblicos da cura divina”.
“Este artigo analisa o debate atual quanto à vigência dos
dons espirituais miraculosos na igreja”, em especial, na igreja pentecostal.
Entre o “sim” e o “não” quanto à veracidade da autenticidade dos milagres, há
algumas diferentes “teorias sobre os dons”.
Marcos de Benedicto apresenta primeiro a “abordagem
fundacional”, na qual “o pentecostes é único e irrepetível”, “a finalidade dos
milagres era autenticar o testemunho dos apóstolos sobre Jesus”, “a igreja
primitiva tinha relativamente poucos milagres” e “os milagres anunciavam o fim
de uma era e o começo de outra”. Sobre esta teoria, Benedicto destaca seis
pontos positivos, mas nela encontra também seis pontos negativos, discordando
de que qualquer manifestação miraculosa contemporânea seria falsa.
Na abordagem carismática, “a igreja necessita dos
dons-sinais para cumprir sua missão”, “a diferença entre as listas de dons
sugere um caráter completo e instrumental”, “a analogia da igreja como
organismo corporativo pressupõe que todos os dons são necessários”, “a história
registra testemunhos de milagres em fases tardias da igreja”, e “1Coríntios 13
sugere que os dons-sinais prosseguirão até a ‘parousia’”. Apesar de encontrar seis pontos positivos
nesta teoria, Benedicto vê na mesma nove pontos negativos, em especial, a
supervalorização exagerada quanto à busca desequilibrada por milagres.
John MacArthur é um dos mais ácidos
críticos do carismatismo. Segundo ele, o ministério de cura de Jesus e dos
apóstolos tinham seis características que o dos carismáticos não possui. Jesus
e os apóstolos: (1) curavam com uma palavra ou toque; (2) curavam
instantaneamente; (3) curavam totalmente; (4) curavam todo mundo; (5) curavam doenças
orgânicas; e (6) ressuscitavam mortos.
Para Marcos de Benedicto, a teoria que “parece corresponder
melhor aos dados bíblicos” é a da “abordagem cíclica”. Os argumentos são os de
que: a) “a profecia de Joel parece ter dupla aplicação”; b) “a metáfora das
chuvas ‘temporã’ e ‘serôdia’ sugere dois movimentos de ‘refrigério’”; c) “os
milagres dos tempos bíblicos aparecem em ‘ondas’”; d) “a ocorrência de milagres
diabólicos no fim dos tempos pressupõe milagres divinos”; e e) “o anjo poderoso
de Apocalipse 18:1 pode simbolizar um movimento de evangelização”. Apesar de
ver dois pontos negativos nesta teoria, nela o autor vê muita lógica,
destacando seis pontos positivos, dentre os quais a prudência do equilíbrio
espiritual quanto à aceitação dos milagres, e não o ceticismo ou fascínio pelos
mesmos.
Ação Evangelística Junto às Igrejas Pentecostais: Refletindo em Termos
de Possiblidades
Juan Millanao
Em minha pesquisa de mestrado, estou perseguindo a seguinte
pergunta: “Por que muitos pentecostais concordam com as principais doutrinas
adventistas, mas preferem permanecer em suas igrejas?” E quem me parece chegar
mais perto da preocupação deste problema levantado é Juan Millanao neste artigo,
quando escreve sobre ação evangelística junto às igrejas pentecostais. Ele faz
uma reflexão em termos de possibilidades missionárias, mas, como Wilson Endruveit
em sua monografia em 1976[iii],
não discute as diferenças entre os adventistas e os pentecostais quanto ao
comportamento, ao modo de pensar e ao que consideram autoritativo para ser
adotado como regra de fé e prática.
David Bosh, uma das autoridades mundiais em Missão Urbana,
explica que “as razões pelas quais as pessoas se tornam membros da igreja podem
variar muito e é possível que, frequentemente, pouco tenham a ver com um
compromisso com aquilo que a igreja supostamente defende”[iv].
Se não fosse assim, não haveria pensadores adventistas como Millanao,
preocupados em sugerir estratégias para alcançar determinados públicos-alvo, em
especial, os pentecostais.
Tais fenômenos são indicadores de que existe algo
incompatível no diálogo entre adventistas e pentecostais. E analisar suas
diferenças pode ajudar na procura pela identificação desta limitação de
comunicação. E nisto foi que vi a validade deste número de Parousia com
destaque para esta matéria de Millanao, na qual “o autor, pastor da Igreja
Adventista do Sétimo Dia, analisa, desde a perspectiva de uma testemunha
pessoal, as possibilidades de influir e ser influenciado pelos membros das igrejas
pentecostais em termos do partilhar do evangelho”.
Conclusão
Este é o ponto que faz relevante a necessidade de pensar em
nossos irmãos pentecostais como pessoas com as quais devemos dialogar sobre o
evangelho de Jesus Cristo. Se você tem este espírito cristão, recomendo-lhe a
leitura de Parousia:
Revista do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia - Sede Brasil-Sul, Engenheiro Coelho, v. 1, n. 1, p.
19-50, jan-jun. 2000.
Um abraço,
Pr. Valdeci Jr.
[i] “Evolução
Histórica e Configuração Atual do Protestantismo no Brasil” em Introdução ao Protestantismo no Brasil, Ed.
Antônio Gouveia Mendonça e Prócoro Velasques Filho (São Paulo: Loyola, 1990),
49.
[ii] REILY,
Duncan Alexander. História documental do
protestantismo no Brasil. 3. ed. São Paulo: ASTE, 2003, 365.
[iii] ENDRUVEIT,
Wilson Harle. Movimento carismático: um
estudo exegético e teológico de suas principais características. São Paulo:
Faculdade Adventista de Teologia - Instituto Adventista de Ensino, 1976.
[iv] BOSCH,
David J. Missão transformadora: mudanças
e paradigma da teologia da missão. Tradução de Geraldo Korndorfer, Luís M.
Sander. São Leopoldo: Sinodal, 2007, 497.
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