A cada censo demográfico realizado pelo IBGE, o retrato nacional dos
católicos diminui e o contingente dos
evangélicos se mostra maior (clique aqui e veja) . Isso é um fenômeno social que implica em mudanças significativas nas
características culturais da população e obriga os antropólogos e cientistas
sociais (até mesmo os ateus) a aceitarem os estudos em religiões, e ainda terem
que ceder ao fato de trocar figurinhas com teólogos. E o interessante é que, é
exatamente em função de um meio religioso não erudito, o pentecostalismo, que
teólogos, antropólogos e sociólogos se encontram.
O “Seminário: Pentecostalismo em Debate” foi um simpósio
acadêmico realizado na PUC/SP em 1996, mas é um marco historio ao qual deve se
dar especial atenção retrovisora até hoje, e ainda o será por muito tempo. Por isso,
existe o livro “Sociologia da Religião no Brasil”. Ler este livro é como estar
participando do seminário. Eu recomendo ao leitor que o leia em três dias, como
foi o congresso, lendo assim, em cada dia, a parte respectiva daquele dia. É
como estar lá no evento!
Este encontro de acadêmicos aconteceu por uma crise
existente naquela época: “como estudar cientificamente os pentecostais”. Pois,
como fenômeno religioso, o pentecostalismo, por apresentar-se como o segundo
maior movimento cristão desde a Reforma), termina sendo objeto de análise de
pesquisa, até aos dias de hoje. Minha dissertação de mestrado tem que ver com o
pentecostalismo. E eu sou apenas uma gota neste vasto e complexo oceano. Já
adianto ao leitor que eles começaram e terminaram o debate sem resolver
completamente este problema. Isso é o que podemos chamar de verdadeiro brainstorm. Por exemplo, no meio do
evento (livro) você tem Antônio Gouveia Mendonça expressando não concordar que
as igrejas que hoje chamamos de neo-pentecostais (ele também não concordava com
esse termo) sejam consideradas como igrejas pentecostais. Em seguida, você vê ele
tomando pau por causa disso até ao fim do evento, ficando claro que a maioria
dos estudiosos ali presentes via todas estas igrejas do espírito, de
manifestação glossolálica, como pentecostais (embora distintas e necessitadas
de uma classificação). Entretanto, o livro ainda foi publicado com um texto, na
contracapa, de Antônio Gouveia Mendonça mantendo sua posição, fazendo parecer
que aquela era a posição da maioria dos participantes.
As questões metodológicas de pesquisa em estudos de religião
no Brasil, como apresentou o professor Pedro Ribeiro de Oliveira na primeira
palestra do encontro, são um dilema entre academia e instituições religiosas. A
crítica deste doutor foi a de que “as igrejas pouco fazem uso do saber
produzido nos programas de pós-graduação, como se o caráter acadêmico de um
estudo o desqualificasse como fonte de inspiração para a prática”. E esta
distância na qual a igreja se matem da profundidade acadêmica, faz com que os
resíduos que boiem não sejam os mais nobres.
Luiz Eduardo W. Wanderley
concordou que no “esforço continuado de pesquisadores do campo religioso
para um diálogo profícuo entre o discurso teológico e os discurso das Ciências
Humanas, tornando-os comensuráveis, o estranhamento ainda é grande”. E então
este sociólogo sugere que “talvez a medida prática mais em evidência” seja “a
do equilíbrio entre adaptação e criatividade”. Vivemos “numa época em que o
mito da neutralidade científica parece cair por terra” e os “estudos sociais
sobre a realidade da América Latina, que esqueçam ou miniminizem a dimensão religiosa
ficarão viesados”, explicou este doutor ao comentar sobre o perigo em confundir
secularização com secularismo.
O antropólogo Pierre Sanchis, então professor na UFMG e
integrante do ISER, então critica os professores Pedro e Luiz Eduardo, analisa
o que eles disseram de bom, e começa a sugerir um modelo de diálogo para construir pesquisa e
métodos entre academia e instituições “para orientar sua pesquisa e ação”. O “conflito
das interpretações” nos estudos em religião é apresentado por Júlio de Santa
Ana, doutor em Ciências da Religião, fazendo lembrar que “a religião é um aspecto
importante da realidade humana e parece ser indissociável do processo social,
pois permite o desenvolvimento de convicções e valores, contribuindo de maneira
decisiva para a formação de diversos tipos de comunidades”. “Ou seja, as
transformações religiosas – quando ocorrem – estão relacionadas a transformações
sociais muito mais amplas”. Por isso, “as ‘Ciências da Religião’ têm que ser
preeminentemente históricas”, embora “a
tradição não pode ser deixada de lado”.
Um dos sucessos do pentecostalismo é um dos entraves para os
acadêmicos que pesquisam este movimento: emoções. Como sistematizá-las
empiricamente? Mas como fugir disso? “Qualquer religião tem uma certa
capacidade e possibilidade de ‘auto-secularizar-se’; não obstante, para
manter-se viva, renovada, revitalizada, lhe é preciso manter uma certa tradição
fundamental. É o elemento da memória,
que na maioria dos casos se manifesta com tonalidades emocionais”. “É o que
obriga estes estudos ao diálogo, ao intercâmbio de posições, reconhecendo que o
‘sentido’ do fenômeno religioso não se produz apenas nos textos. Segue a
leitura, exegeses e interpretação de textos uma prática que também deve ser
interpretada”. Aí surge uma próxima grande dificuldade: como classificar as
diferentes igrejas pentecostais.
Diante disso, Antonio Gouveia Mendonça propôs que o
pentecostalismo precisaria ser conceituado do ponto de vista sociológico como
um movimento histórico dentro das igrejas cristãs, com vistas a não vê-lo como
institucionalizado. Cultural? Também,
pois como explicou Cecília Loreto Mariz, embora tenha “sido apontado este tipo
de sincretismo [a mistura que as igrejas fazem da cultura profana com a
tradição sacra] dessas novas igrejas”, vem a pergunta “que igreja ou religião
não importa elementos de outras tradições sagradas e profanas[i]?
Deve ter sido por isso que Dario Paulo Bezerra Rivera disse
que “o vazio de uma tradição é preenchido pela experiência”. Exatamente o que
acontece no pentecostalismo. Sob a ótica da sociologia weberiana, podemos dizer
que a principal diferença que o pentecostalismo traz em relação ao
protestantismo histórico é esta “forma de se apropriar da memória religiosa. No
protestantismo, a Bíblia constitui-se em um recipiente de memória escrita ao
qual é preciso voltar continuamente. Já no caso do pentecostalismo, a
recuperação ou reapropriação da memória não se opera por meio de um processo
racional, e sim emocional”.
Isso é tão complexo, que veja como o simpósio intelectual
terminou:
- “Há uma dificuldade de saber o que é pentecostalismo”.
(Elisabete).
- “Então eu me pergunto se devemos continuar procurando
definir a essência do pentecostalismo” (Regina Reyes Novais).
E a sociologia não precisa entender isso realmente, pois lhe
basta estudar os resultados sociais expressados nos fatores culturais dos
movimentos comportamentais do indivíduo e de seu coletivo. Quanto a nós, religiosos, porém, por sermos
pessoas espirituais, Deus nos guiará enquanto abrirmos nosso coração à
influência do Espírito Santo, comparando coisas espirituais com coisas
espirituais (1Coríntios 2:13).
Em Cristo,
Pr. Valdeci Jr.
Referência Bibliográfica: SOUZA, Beatriz Muniz de; GOUVEIA, Eliane Hojaij; JARDELINO, José Rubens Lima. Sociologia da religião no Brasil. São Paulo: Pontificia Universidade Catolica de São Paulo PUC, 1998. ca 200.
[i] “Profano”
aqui está na significação da visão sociológica de tudo aquilo que não faz parte
da simbologia sacra da tradição religiosa predominante, e não na significação
teológica do que seria pecado; em minha linguagem, creio que a palavra que
melhor expressaria isso seria “secular”.
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